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Responsabilidades Legais Do Mentor Na Prática Da Mentoria

Kennya Pimentel Novaes - atualmente é a responsável jurídica pelo Programa Nós por Elas, atuando ainda como líder dos Núcleos IVG do Brasil.
Kennya Pimentel Novaes - atualmente é a responsável jurídica pelo Programa Nós por Elas, atuando ainda como líder dos Núcleos IVG do Brasil.

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre mentoria, sobretudo em ambientes corporativos e acadêmicos.

 

Mas, afinal, o que seria mentorear?

 

Também denominado “mentoring” – mentorear é um processo de colaboração para o desenvolvimento pessoal e profissional, baseado em um relacionamento no qual um indivíduo, com conhecimentos e experiências (mentor ou mentora), contribui com o crescimento de outra pessoa (mentoreado ou mentoreada).

 

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Verifica-se, portanto, que embora o termo “mentorar” esteja na moda, a prática em si é antiga, configurada pela orientação feita por alguém que já percorreu determinado caminho a outra pessoa que deseja percorrê-lo, de forma direcionada. Prática ancestral, muito utilizada em diversas culturas, em que os mais experientes transferem conhecimento e habilidades aos menos experientes.

 

Ainda que objetivamente pareça algo comum, não se pode negar a responsabilidade que envolve um processo de mentoria, e o que nem sempre se discute é que, por trás dessa relação aparentemente simples e até amistosa, surgem responsabilidades jurídicas para as partes envolvidas, e é essa a reflexão que proponho por meio do presente artigo, que visa esclarecer, mas não esgotar este assunto que é tão relevante, especialmente para os profissionais que atuam ou pretendem atuar na área.

 

Em termos legais, a prática de mentoria não possui uma lei específica no Brasil. No entanto, relacionado ao tema, existe um projeto de Lei nº 5.962/20231 – que propõe que cursos de educação profissional e tecnológica ofereçam mentoria como parte do currículo para apoiar a empregabilidade dos estudantes.

 

É possível afirmar também que a Lei de Aprendizagem (Lei nº 10.097/2000)2 que regulamenta o programa Jovem Aprendiz, de certa forma, promove mentoria para jovens em formação, pois visa a inclusão deles no mercado de trabalho.

 

Além das mencionadas leis, existe também uma ideia legislativa no Senado, tramitando sob o nº 2025343, a qual se transformada em projeto de lei, pretende conectar estudantes e profissionais do direito com jovens em comunidades carentes para oferecer orientação, seria um Programa Nacional de Mentoria Jurídica para Jovens em Situção de Vulnerabilidade Social – denominado “Projeto Mentoria Legal”, que ainda permanece em tramitação.

 

Como pôde ser verificado, ainda que não haja uma regulamentação específica, o tema “mentoria” já faz parte de algumas legislações. Mesmo não regulamentado, sua oferta tem se ampliado, sendo amplamente reconhecida a sua importância e mesmo quando prestado sem um contrato formal (escrito), não há como negar que se configure numa relação reconhecida pelo direito, gerando obrigações recíprocas.

 

Pode-se afirmar, portanto, que a mentoria é uma prestação de serviço que envolve compromisso mútuo, confidencialidade, sendo inerente o respeito às diferenças e o foco no desenvolvimento profissional e pessoal dos mentoreados, o exercício dessa atividade se enquadra facilmente nas regras do contrato de prestação de serviços, previstas no Código Civil.

 

É imprescindível que se entenda ainda que, mesmo que o processo de mentoria seja uma prática cultural de troca de experiências, sem métodos, não há mentoria!

 

Além disso, esta prática envolve responsabilidades jurídicas, configuradas em direitos e deveres básicos tais como: diligência, lealdade, confidencialidade e sigilo profissional, respeito à autonomia dos mentoreados, além de vários outros, a dependerem da análise do

caso concreto.

 

Um exemplo pode ajudar a ilustrar, vejamos: imagine que uma mentora se posicione orientando a mentoreada a investir em determinada carreira, sugerindo uma transição imediata, sem a análise do cenário profissional, do perfil individual, dos conhecimentos e habilidades necessários para que de fato, a orientada obtivesse resultados positivos; se, desse cenário resultar prejuízo relevante, ainda que a intenção da mentora tenha sido boa, pode haver entendimento de que houve negligência ou imperícia. Nesse caso, abre-se espaço para responsabilização civil por meio da reparação dos danos causados, com condenação em pagamento de indenização, inclusive.

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Inegável, portanto, a enorme dimensão da responsabilidade dos mentores, que necessitam ter essa consciência.

 

Analisando agora, sob o aspecto da confidencialidade, é comum que mentoreados compartilhem informações sensíveis — sobre carreira, projetos ou até mesmo, sobre estratégias de negócios. A quebra desse sigilo não é apenas uma falha ética, mas pode gerar consequências jurídicas, sobretudo quando dados estratégicos estão em jogo. Por esses motivos, é que se torna imprescindível que seja estabelecido contrato, que conste o dever de sigilo e, hoje, em virtude da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018)4, deve constar também o dever de cuidado com o tratamento dos dados dos envolvidos.

 


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Além da esfera civil, exposta anteriormente de forma resumida, não se pode ignorar também que uma má conduta do mentor pode vir a repercutir também no âmbito penal. Isso ocorre quando por exemplo, são configurados casos de assédio moral ou sexual, discriminação ou mesmo difamação que decorram da relação entre mentores e mentoreados, o que não é raro de acontecer. Pelo contrário, como o mentor ocupa uma posição de influência, o desvirtuar da sua função, poderá configurar também o abuso de confiança, agravando as consequências que pesariam sobre a conduta do mentor.

 

É pacífico o entendimento jurisprudencial de que controvérsias que envolvam esse tipo de relação, como a estabelecida entre mentores e mentoreados, serão dirimidas sob o prisma do sistema jurídico autônomo, instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)5.

 

Por outro lado, é fundamental reconhecer também os limites dessa responsabilidade. O mentor não responderá pelos resultados da vida profissional ou pessoal do mentoreado, se assim não se autorresponsabilizar, e isso deve ficar muito claro desde o primeiro contato e para a segurança do processo, é importante que esteja expresso em contrato.

 

É importante que desde o início do processo, fique claro que não cabe ao mentor “garantir sucesso”, mas sim fornecer subsídios e reflexões. Essa distinção é essencial para não transformar a mentoria em uma relação de dependência ou em uma promessa impossível de ser cumprida.

 

Na prática, como já evidenciado, algumas medidas ajudam a reduzir riscos para mentores e mentoreados: contratos claros, códigos de conduta, definição de escopo da mentoria, duração, objetivos específicos e registros das interações mais relevantes, mantendo registros de sessões, orientações fornecidas e progresso dos mentoreados. Esses cuidados não apenas protegem os mentores, mas também fortalecem a confiança dos mentoreados no processo.

 

Se existem instruções práticas e objetivas a serem dadas aos mentores para que exerçam sua função observando as responsabilidades legais, seriam: sejam claros quanto aos objetivos da mentoria, definam os limites e escopos do trabalho que será entregue, façam um alinhamento das expectativas com os mentoreados, não assumam responsabilidades para as quais não possuam experiência e/ou qualificação adequadas para orientarem sobre os temas solicitados; e não menos importante, deixem claro o que não estaria incluído no processo de mentoria.

 

Em conclusão, a mentoria é uma ferramenta poderosa de desenvolvimento e transformação, mas não deve ser romantizada a ponto de esquecer que envolve deveres e responsabilidades de ambas as partes. O mentor que compreende essa dimensão jurídica atua com mais segurança e profissionalismo, preservando a essência da mentoria, que é a troca de experiências baseada em confiança e respeito mútuo, fundamentada em estudo contínuo, técnicas atualizadas e adequadas que, aplicadas de formas consciente e responsável, não trarão outro resultado que não seja o sucesso dos mentoreados.

 

Por fim, a mentoria antes de tudo, é uma responsabilidade que exige não apenas conhecimento técnico, mas consciência ética e jurídica de seus limites e obrigações, afinal, o sucesso dos mentores não será medido apenas pelos resultados alcançados, mas pela capacidade de manterem suas integridades profissionais, o que garantirá a sua reputação, a sua permanência no mercado e o seu comprometimento com o processo que comprovará a sua importância para o desenvolvimento de pessoas.

 

 

  

 

 
 
 

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