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O Fenômeno da Repetição invisibilizadora entre mulheres

Luciana Passadori
Luciana Passadori

Como a reprodução da fala de outra mulher sem reconhecimento pode reforçar a desvalorização feminina — mesmo entre nós


Por Luciana Soares Passadori


Em um cenário onde tanto se luta pela equidade de gênero e pelo fortalecimento da voz feminina nos espaços de poder, um comportamento sutil, porém recorrente, merece nossa atenção: quando uma mulher explica ou repete exatamente o que outra mulher acabou de dizer, sem dar crédito, como se fosse sua própria ideia. Essa ação, muitas vezes não intencional, pode ter efeitos profundos sobre a confiança, a colaboração e o pertencimento entre mulheres — e revela a necessidade de ressignificar nossos padrões de comunicação e escuta.


Esse comportamento tem um nome e é um fenômeno social cada vez mais discutido: "womanterrupting entre mulheres" ou "fem-splaining", em uma adaptação do termo “mansplaining” (quando um homem explica algo a uma mulher de forma condescendente).

Quando uma mulher repete exatamente o que outra acabou de dizer, como se estivesse trazendo uma nova ideia ou validando só quando ela mesma fala, isso pode ser um reflexo inconsciente de:


  • Competição internalizada entre mulheres, fruto de estruturas sociais patriarcais que historicamente colocaram mulheres em disputa;

  • Busca por validação ou protagonismo, tentando se afirmar no espaço;

  • Falta de escuta genuína ou de valorização da fala da outra; ou ainda, imitação ou necessidade de reforçar um ponto de vista, mas sem dar o devido crédito.


A mulher que tem sua ideia “reexplicada” ou “rebatizada” sem reconhecimento pode se sentir ignorada, desvalorizada ou até duvidar de sua capacidade de se expressar com clareza. Em ambientes corporativos ou acadêmicos, essa prática pode minar a autoconfiança e dificultar a ascensão profissional. Em espaços coletivos, enfraquece a potência do feminino como rede de apoio.

“A interrupção entre mulheres parece menos sobre gênero e mais sobre posição ou contexto” (Smith-Lovin & Brody, 1989).

Embora muitas vezes involuntária, a interrupção entre mulheres pode estar associada a uma internalização de padrões patriarcais de comunicação. Em ambientes organizacionais, essa prática pode reforçar:

  • A deslegitimação da fala feminina

  • A invisibilização de vozes mais vulneráveis (ex: mulheres negras, mais jovens, periféricas)

  • A perpetuação da cultura da escassez, em que há pouco espaço para todas falarem e serem ouvidas

Segundo o estudo “Gender, Perceived Competence, and Power Displays” da Harvard Kennedy School (2019), as interrupções entre mulheres tendem a ser mais frequentes quando há baixa representação feminina, sugerindo que a pressão por aceitação ou destaque leva à reprodução de comportamentos dominantes.

Porque uma das maiores forças do movimento feminino é a SORORIDADE — e ela só se sustenta quando nos comprometemos com práticas de escuta, reconhecimento e validação mútua. Repetir a fala da outra sem nomeá-la é apagar sua presença. E nós já fomos apagadas o suficiente ao longo da história.


O que podemos fazer?


1. Nomear o comportamento (com empatia):"Você percebe que a fulana acabou de falar isso? Concordo com ela, e que bom que você reforçou."


2. Dar o devido crédito:"Como disse a fulana há pouco, focar nas redes sociais pode mesmo ser um bom caminho."


3. Desenvolver escuta ativa e generosa:Ouvir de verdade significa acolher a fala da outra antes de tentar ressignificá-la ou reforçá-la com a nossa voz.


4. Cultivar a cultura do reconhecimento:Reconhecer ideias, contribuições e falas de outras mulheres é um ato político e afetivo.


5. Trabalhar a segurança interna:Quando estamos seguras da nossa potência, não precisamos tomar o espaço da outra para validar a nossa existência.


Repetir o que outra mulher acabou de dizer pode parecer inofensivo, mas é um ato que precisa ser observado com atenção. Se queremos construir ambientes verdadeiramente colaborativos e igualitários, precisamos começar por nós mesmas. O respeito à fala da outra é o primeiro passo para a construção de um novo paradigma de liderança feminina — onde todas têm voz, vez e visibilidade. Isso é praticar SORORIDADE!


Luciana Soares Passadori é Especialista em Autoliderança Feminina, sócia da Passadori Comunicação e Diretora Estratégica do IVG.

 
 
 

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